By Éden António
O peso que veste leve Angola, o fardo, a verdadeira economia invisível. Em Angola, um país de contrastes profundos, onde arranha-céus de vidro se erguem ao lado de musseques centenários, existe um fenómeno económico silencioso que desafia todas as lógicas do mercado formal.
Chama-se “fardo” o comércio de roupa usada importada e move mais volume de negócios que todas as boutiques de luxo de Luanda juntas.
Enquanto as lojas elegantes da Baíxa de Luanda ao Belas Shopping lutam para manter clientelas fiéis, os mercados informais do fardo estão a pipocar em atividades que movitam milhões de dollars amricanos e kwanzas from sun raise to sunset.
Este não é apenas um comércio é um ecossistema complexo que reflecte a resiliência, a criatividade e as contradições da sociedade angolana contemporânea.
1: A Anatomia do Fardo – Mais que Roupa, Uma Oportunidade
A palavra “fardo” carrega em si a essência deste negócio, sacos grandes e pesados de roupa usada, principalmente provenientes da Europa e Ásia, que chegam ao país através do porto e do aeroportode Luanda. Cada saco de fardo é uma lotaria! pode conter peças de marca quase novas ou simples trapos sem valor. Como disse uma lotaria.
As comerciantes, conhecidas como “tias do fardo”, desenvolveram um olho clínico para avaliar a qualidade dos fardos antes de os comprar. Dona Maria, 52 anos, trabalha no Mercado do Asa Branca há 25: “Um bom fardo tem cheiro, peso e textura específicas. Já sei só de abrir qual vai dar lucro.”
2: A Economia Paralela que Move Massas
O sucesso do fardo assenta em vários pilares económicos inteligentes:
- Preço Acessível: Enquanto uma camisa numa boutique de luxo pode custar 50.000 Kz (cerca de 60 USD), no fardo encontra-se por 1.500 Kz (menos de 2 USD)
- Variedade Inigualável: Desde roupa casual até peças de festa, o fardo oferece opções para todos os gostos e ocasiões
- Sustentabilidade Involuntária: Apesar de não ser o objectivo principal, o fardo promove a economia circular
3: A Hierarquia Invisível do Mercado
O comércio do fardo possui uma estrutura complexa:
- Os Importadores: Donos de capital que trazem os contentores
- Os Grossistas: Compram fardos inteiros e revendem a retalhistas
- As Zungueiras: Mulheres que vendem peça por peça nos mercados
- Os Alfaiates: Transformam peças ocidentais em estilo angolano
Cada nível gera emprego e movimento económico que escapa às estatísticas oficiais.
4: O Paradoxo da Qualidade
Ironicamente, muitas peças do fardo são de melhor qualidade que as roupas novas vendidas em lojas formais. “As roupas europeias antigas eram feitas para durar”, explica o estilista angolano Tito Silva. “Hoje a fast fashion produz roupa descartável, enquanto o fardo oferece peças com história e durabilidade.”
5: A Conexão Cultural e Identitária
O fardo não é apenas comércio é um fenómeno cultural. Os angolanos desenvolveram uma habilidade única de transformar peças ocidentais em estilo próprio a “banga“. Jovens criam looks únicos misturando marcas internacionais com estilos e tecidos africanos, criando uma estética que é simultaneamente global e profundamente local.
6: Os Desafios e Controversias
O negócio do fardo enfrenta múltiplas críticas:
- Concorrência desleal com a indústria têxtil local
- Questões de higiene e saúde pública
- Evasão fiscal em grande escala
- Condições laborais precárias
7: Lições para o Mercado Formal
O sucesso do fardo oferece lições valiosas:
- Entender o Consumidor Real: Enquanto as boutiques focam num nicho de mercado mais exclusivo, urbano, o fardo serve a maioria… beneficia a todos.
- Flexibilidade e Adaptabilidade: As tias do fardo adaptam-se ou ajustam-se rapidamente às tendências, as novas modas
- Economia de Comunidade: Rede de confiança e crédito informal que funciona
O Futuro do Fardo
À medida que Angola se desenvolve, o fardo enfrenta novos desafios: a crescente classe média prefere roupa nova, as importações enfrentam mais restrições e surgem preocupações ambientais.
No entanto, a resiliência deste comércio sugere que ele vai adaptar-se como sempre fez.
O fardo não é apenas um negócio é um espelho da capacidade angolana de transformar desafios em oportunidades, de criar prosperidade onde aparentemente não existem condições e de vestir uma nação com criatividade e determinação.
Enquanto houver angolanos precisando de boaas roupas para vestirem-se com dignidade e estilo, o fardo continuará a ser uma alternativa boa, leve e económica que sustenta milhões e não um peso como os mais afortunados veem e pensam.

