A Tragédia do Sucesso Compartilhado: Quando o Oceano Azul se Torna Vermelho

By Éden António

O Paradoxo do Co-criador Excluído

Na mitologia da música Soul, poucas histórias são tão poeticamente trágicas quanto a de Thomas McClary nos The Comodores. A sua trajectória personifica o paradoxo fundamental do sucesso compartilhado, como pode um arquitecto visionário tornar-se estrangeiro no próprio edifício que ajudou a erguer?

Esta não é apenas uma história sobre a música, mas é um caso de estudo sobre a criação, o valor e o preço invisível do sucesso colectivo.

O Génio Nos Bastidores – Thomas McClary, o Arquitecto Musical

Thomas McClary não era meramente um guitarrista dos The Comodores! Ele era o engenheiro de som por trás da identidade sonora ou musical do grupo. A sua forma unica de tocar a guitarra preenchia os vazios e despertava gatilhos mentais que conversavam, desenhavam paisagens sonoras, estabeleciam diálogos emocionais com os vocais de Lionel Richie nas musicas dum outro mas que nos encanta ate aos dias de hoje.

O Mestre da Linguagem Guitarristica

  • Criou o riff icónico de “Brick House”, não como simples acompanhamento, mas como declaração arquitectónica musical
  • Desenhou introduções emocionais para “Easy” e “Three Times a Lady” que se tornaram portais para universos sentimentais
  • Desenvolveu o “som máquina de escrever” que se tornou a assinatura instrumental dos Comodores

O Guardião da Integridade Artística
Enquanto a banda navegava entre o funk autêntico e o pop acessível, McClary emergiu como o defensor da complexidade musical que definira os primeiros anos dos The Comodores. Porém a sua teimosia criativa era tanto maldição quanto dom musical, salva-guardou a autenticidade do som dos The Comodores, mas ele pagou um preço alto demais. Ele saiu do grupo que criou sem a possibilidade de ganhos financeiros sobre os direitos de autor das musicas que ele ajudou a criar.

A Estratégia do Oceano Azul – A Genialidade Comercial dos Comodores

Para compreender a tragédia de McClary, precisamos primeiro entender o extraordinário sucesso que ele ajudou a criar. Os Comodores não simplesmente competiram no mercado musical existente, eles criaram um novo espaço de mercado, num tempo dificil para os negros conquistarem respeito ou dignidade… através do que os teóricos de estratégia chamam de “Oceano Azul“.

Os Princípios do Oceano Azul Aplicados aos Comodores:

1. Criar Novo Espaço de Mercado
Os Comodores recusaram-se a escolher entre ser uma banda “negra” ou “mainstream”. Em vez disso, eles criaram um território musical único onde:

  • A sofisticação da música Jazz encontrou a acessibilidade do pop music
  • A profundidade emocional da música Soul abraçou o ritmo contagiante do funk
  • Experiências específicas da cultura negra ressoaram universalmente

2. Focar na Diferenciação
Eles desenvolveram uma proposta de valor única através de:

  • O “som máquina de escrever“, distintivo e imediatamente reconhecível
  • Baladas que mostravam homens negros como homens emocionalmente vulneráveis e complexos
  • Uma imagem que equilibrava profissionalismo com autenticidade cultural

3. Alinhar Toda a Experiência
Desde as capas de álbum até aos arranjos de palco, os Comodores criaram uma experiência coesa que:

  • Atraía tanto ouvintes negros quanto brancos sem alienar nenhum
  • Oferecia tanto profundidade emocional quanto energia de festa
  • Mantinha sofisticação musical sem perder apelo popular

4. Eliminar-Reduzir-Elevar-Criar

  • Eliminaram: Barreiras raciais rígidas na música popular
  • Reduziram: Complexidade musical excessiva sem sacrificar qualidade
  • Elevaram: Representação positiva da masculinidade negra
  • Criaram: Um novo género de soul sofisticado mas acessível

A Tragédia do Oceano Azul – Quando o Co-criador é Deixado para Trás

A ironia trágica: McClary foi fundamental para criar este a estrategia de Oceano Azul, mas acabou excluído dos seus benefícios quando este se tornou um sucesso comercial massivo.

O Paradoxo da Criação Colectiva
McClary ajudou a:

  • Desenvolver o som distintivo que definiu a estratégia de Oceano Azul dos Comodores
  • Construir a identidade musical que os diferenciou de concorrentes
  • Criar o valor que tornou a banda única no mercado

Porém, quando o sucesso chegou:

  • As suas contribuições foram progressivamente marginalizadas
  • A sua voz criativa foi silenciada em favor de uma direção mais comercial
  • Os seus direitos de autor sobre a criação colectiva foram contestados

A Dinâmica do Sucesso Não-Compartilhado
O caso McClary revela uma falha fundamental na teoria da estrategia do Oceano Azul, ela não aborda adequadamente a distribuição de valor entre co-criadores quando o Oceano é conquistado.

McClary enfrentou o que podemos chamar de “A Maldição do Arquitecto Anónimo”:

  • Ele desenhou os alicerces, mas outros construíram os andares superiores
  • Ele criou o valor distintivo, mas não reteve direitos equitativos sobre esse valor
  • Ele foi essencial para a criação do oceano, mas excluído da navegação posterior

As Lições Estratégicas – Protegendo os Co-criadores

A história de McClary oferece lições cruciais para empreendedores, artistas e qualquer um envolvido em criação colectiva:

1. Contratos Antecipados de Valor

  • Documentar contribuições específicas desde o início
  • Estabelecer direitos de propriedade intelectual claros
  • Prever mecanismos para mudanças na dinâmica do grupo

2. Preservando Vozes Fundacionais

  • Criar estruturas que protejam contribuições visionárias originais
  • Estabelecer processos para resolução de conflitos criativos
  • Manecer canais para vozes dissidentes que possam salvaguardar a alma do projecto

3. Equilibrando Crescimento com Autenticidade

  • Encontrar formas de escalar sem trair a visão original
  • Proteger elementos distintivos que criaram o sucesso inicial
  • Manecer fiéis aos princípios fundadores enquanto se adaptam ao mercado

O Legado de Thomas McClary – Para Além da Tragédia

Apesar das dificuldades, o legado de Thomas McClary transcende o drama. Sua história oferece insights profundos sobre criação, valor e reconhecimento.

O Poder da Contribuição Silenciosa
McClary demonstra que:

  • O valor real muitas vezes reside nos detalhes não creditados
  • As fundações sobre as quais o sucesso é construído frequentemente permanecem invisíveis
  • O impacto genuíno transcende o reconhecimento imediato

A Resistência do Génio Criativo
Apesar dos desafios legais e profissionais, McClary:

  • Continuou a criar e contribuir para a música
  • Manteve sua integridade artística
  • Serviu como inspiração para gerações de músicos

Homenagem ao Mestre – O Eterno Arquitecto do Som

Thomas McClary merece ser lembrado não pela tragédia de sua saída, mas pela grandeza de sua contribuição. Ele foi:

O Visionário Tátil
Cujos dedos não apenas tocavam guitarra, mas moldavam emoções. Cada riff, cada progressão, cada nuance era uma decisão arquitectónica que construía o palácio sonoro onde a voz de Richie podia habitar.

O Guardião da Autenticidade
Que compreendeu que o verdadeiro sucesso não está nas paradas musicais, mas na integridade artística. A sua teimosia não era ego, era a consciência de que a alma da música reside na sua verdade.

O Professor Não Reconhecido
Cujas inovações guitarristicas tornaram-se lições não creditadas para gerações de músicos. O seu “som máquina de escrever” não foi apenas um efeito, foi uma nova linguagem musical.

O Paradoxo Vivo
A pessoa que entende a verdade desconfortável, de que, na criação colectiva, os mais visionários são frequentemente os mais vulneráveis. Aqueles que conseguem ver mais longe são os primeiros a perceber quando a visão está sendo traída.

A Lição Final de McClary

A história de Thomas McClary nos ensina que criar um Oceano Azul não é suficiente… também devemos criar estruturas para garantir que todos os nadadores compartilhem tanto os riscos quanto as recompensas.

No final, o legado de McClary ecoa em cada nota que ele tocou:

Que possamos honrar Thomas McClary não apenas lembrando sua história, mas aprendendo com ela – criando futuros onde os visionários recebem tanto quanto visionam, onde os arquitectos permanecem donos dos edifícios que desenham, e onde criar valor colectivo não significa sacrificar valor individual.

Porque no grande concerto da criação, cada músico merece tocar a música que ajudou a compor e Thomas McClary compôs algumas das mais belas melodias do século XX.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *