O Custo de uma Vida

By Eden

Um Hotel e Um Ato de Fé, Encruzilhadas entre Violência, Encarceramento e a Esperança de um Homem

Orlando, Flórida. O calor abafado é cortado pelo ar condicionado dos parques temáticos e dos resorts luxuosos. Aqui, Harris Rosen, um magnata hoteleiro que construiu um império com trabalho árduo e visão, fez algo que poucos do seu calibre fariam: ele virou o seu olhar para Tangelo Park, uma comunidade marcada pela pobreza, violência e desesperança.

Rosen não ofereceu caridade tradicional, ele ofereceu um pacto. Ele pagaria universidade, creche e formação profissional para qualquer residente de Tangelo Park, do jardim de infância à pós-graduação. O objetivo? Quebrar o ciclo. O que ele entendia, com clareza empresarial, era que o custo da ignorância, da violência e do encarceramento é astronomicamente mais alto para a sociedade do que o investimento na educação e na oportunidade.

Este texto não é apenas sobre Rosen. É sobre o problema colossal que ele tentou combater, o sistema que alimenta gangs, enche prisões de corpos negros e latinos, destrói famílias e tem um custo incalculável para todos nós, incluindo para o Governo americano.

A Geografia do Desespero – Onde Nascem as Gangs

Para entender a gang, é preciso entender a geografia do abandono. São bairros-sombra, onde o estado está presente apenas na forma do patrulhamento policial agressivo e da ausência de investimento em escolas, parques, postos de trabalho e infraestrutura.

Aqui, a gang não é uma escolha; é uma instituição alternativa. Ela oferece:

  • Proteção: Em um lugar onde a polícia é vista como uma força ocupante e não protetora, a gang oferece segurança contra outras gangs (e, paradoxalmente, é a maior fonte de insegurança).
  • Economia: O tráfico de drogas é um dos poucos “empregos” que oferecem mobilidade económica visível em um deserto de oportunidades.
  • Pertencimento: Para um jovem cuja família está fragmentada pela pobreza ou pelo sistema prisional, a gang oferece uma família distorcida, um código de honra perverso, mas um código.

O problema não é a “maldade” inata de jovens, é a lógica de sobrevivência em um ecossistema falhado. Séries como “The Wire” (HBO) capturam esta dinâmica com precisão brutal. O personagem de Michael, um jovem que gradualmente é puxado para a vida gangster não por ambição, mas por uma necessidade profundamente trágica de proteger a si mesmo e aos seus é um retrato perfeito dessa realidade.

O Sistema: Fábrica de Ciclos e Números

O estado responde à geografia do desespero não com investimento, mas com policiamento e encarceramento.

  • A Guerra às Drogas como Motor: Políticas como a “Guerra às Drogas” nos EUA funcionaram como uma máquina de encarceramento em massa, visando desproporcionalmente comunidades negras e latinas. Um jovem negro tem uma probabilidade significativamente maior de ser preso por posse de droga do que um jovem branco, apesar das taxas de consumo serem semelhantes.
  • O Custo Económico: Manter uma pessoa na prisão custa aos cofres públicos, em média, $30,000 a $60,000 por ano. Multiplique isso pelos 2.3 milhões de pessoas nas prisoes nos EUA. É um negócio de biliões de dólares, um poço sem fundo de recursos que poderiam estar a ser investidos em educação, prevenção e reabilitação.
  • O Custo para Empresas: Para empresas privadas, o custo é a perda de talento em potencial, a diminuição da força de trabalho consumidora, o aumento dos custos de saúde (stress traumático das comunidades) e de segurança. Bairros instáveis são maus para os negócios. Harris Rosen entendeu isso e agiu com sabedoria.

As Vítimas Invisíveis: No Fogo Cruzado e Nas Células

1. As Vítimas do Fogo Cruzado
A violência gangster não escolhe alvos. Crianças a caminho da escola, mães a comprar pão, idosos sentados na varanda. Suas histórias são apagadas pelas estatísticas. São danos colaterais em uma guerra não declarada. Séries sul-africanas como “iNumber Number” ou Gomora mostram com crueza como a vida nas townships é um equilíbrio precário entre a normalidade e a violência súbita e aleatória. A mãe que perde um filho para uma bala perdida não se importa com a geopolítica das gangs; ela sofre uma perda irreparável e invisível para o resto da sociedade.

2. As Vítimas do Sistema: Os Erroneamente Condenados
Talvez ainda mais sombrio seja o destino daqueles que são erradamente condenados. São frequentemente jovens:

  • Forçados a confessar crimes sob coação ou intimidação policial.
  • Identificados erroneamente em esquadras com procedimentos de reconhecimento falhos.
  • Sem recursos para contratar bons advogados, dependendo de defensores públicos sobrecarregados.

Storytelling: “When They See Us” (Netflix)
Nenhuma obra retrata este horror melhor do que a minissérie “When They See Us”, de Ava DuVernay. Baseada na história verídica dos “Cinco do Central Park”, ela mostra como cinco adolescentes negros e latinos foram coercivamente interrogados, forçados a confessar um crime que não cometeram e condenados à prisão. A série é um estudo devastador de como o sistema, movido por pressão pública e viés racial, pode consumir vidas inocentes. A agonia das mães, a sua luta incansável contra um sistema surdo, a sua certeza inabalável da inocência dos filhos é aqui que o custo humano atinge o seu pico mais dilacerante.

O Martelo e a Luta: A Jornada das Mães

Enquanto o sistema é um martelo, as mães são a bigorna que resiste. Sua luta é uma epopeia de dor e resiliência.

  • Elas tornam-se especialistas em direito: Mães como Nancy Tillman (mãe de Korey Wise, um dos Cinco do Central Park) transformam a sua dor em ação. Elas aprendem jargão jurídico, vasculham processos, tornam-se advogadas de facto dos seus filhos.
  • Elas enfrentam a parede de bureaucracy: Elas batem de porta em porta em escritórios de advogados, buscam recursos de apelação, organizam vigílias e campanhas de angariação de fundos. A sua luta é solitária e exaustiva.
  • Elas carregam o fardo duplo: Além de lutar pelo filho preso, elas sustentam a família, muitas vezes trabalhando em empregos mal pagos, enquanto lidam com o estigma de ter um “filho criminoso”. O seu sofrimento é uma sentença perpétua de ansiedade e esperança adiada.

A série “David Makes Man” (OWN), criada por Tarell Alvin McCraney (de “Moonlight”), explora poeticamente o peso que uma mãe carrega para manter o filho seguro e no caminho certo em um ambiente que puxa him em outra direção. É um testemunho do amor materno como último bastião contra o caos.

O Cálculo de Rosen – A Filantropia como Estratégia

É neste cenário de desespero que o gesto de Harris Rosen deixa de ser caridade e torna-se estratégia económica e social brilhante.

Ele fez as contas:

  • Custo de educar uma criança em Tangelo Park desde o jardim de infância até à universidade: uma fração do custo de mantê-la na prisão por um ano.
  • Retorno do investimento: Uma comunidade com maiores rendimentos, menor taxa de criminalidade, maior valorização de propriedades e cidadãos produtivos que contribuem para a economia em vez de drená-la.

Os resultados falam por si:

  • A taxa de criminalidade em Tangelo Park caiu drasticamente.
  • As taxas de conclusão do ensino médio e de ingresso na universidade dispararam.
  • Ele não estava a “salvar pobres”; estava a investir em capital humano e a colher dividendos em forma de uma comunidade estável e segura.

O seu projeto é a prova viva de que o caminho para a segurança não é construir mais prisões, mas construir mais escolas. É mais barato, mais humano e infinitamente mais eficaz a longo prazo.

A Escolha da Sociedade

A história de Harris Rosen e das comunidades que sofrem com a violência e o encarceramento coloca diante de nós uma escolha clara:

Continuaremos a financiar um sistema reativo, punitivo e caríssimo que tritura gerações, destrói famílias e falha em produzir segurança?

Ou iremos investir num sistema proativo, preventivo e inteligente que constrói oportunidades, fortalece comunidades e, como Rosen provou, é financeiramente mais vantajoso para todos?

O sofrimento de uma mãe com um filho na prisão, o terror de uma criança apanhada no fogo cruzado, o talento desperdiçado de um jovem erroneamente condenado estes não são apenas dramas morais. São sintomas de um mau investimento. São o custo de escolher a punição sobre a prevenção.

Rosen mostrou que existe outro caminho. Cabe a nós, como sociedade, ter a coragem de segui-lo.

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