By Éden António
A Conspiração do Apagamento: Da Operação Clean Slate ao Saque do Patrimônio Intellectual Africano. Este texto levanta um ponto histórico muito importante e, por vezes, negligenciado.
ESTA nossa menção à “Operação Clean Slate” em relação aos inventores negros lutando para proteger as suas ideias sugere uma referência a um período de injustiça e dificuldades no sistema de patentes, especialmente nos Estados Unidos da America.
O Dossiê 1950-ALPHA
Em 2012, graças ao Freedom of Information Act, um pacote de documentos do FBI, anteriormente classificados como “SECRETO/OLHO-SOMENTE“, veio à tona. Codinome “Operação Clean Slate” (Lousa Limpa), datado de 1950, era um memorando interno assinado por J. Edgar Hoover. A linguagem era clara e diabolica.
“É imperativo para a segurança nacional e para a preservação da ordem social vigente que se impeça o surgimento de qualquer figura negra que possa ser retratada como um génio ou herói de estatura incontestável. Tal individuo serviria como um símbolo unificador e uma prova vivente de capacidades iguais ou superiores, inspirando agitação e desafiando a estrutura de poder. As suas invenções devem ser adquiridas através de intermediários, patenteadas por corporações aliadas, ou, se necessário, suprimidas. Nenhum ‘Latimer’ ou ‘Drew’ pode ser permitido a capturar a imaginação pública novamente. A lousa deve ser mantida limpa.”
Este documento não era uma teoria da conspiração, era a confissão oficial de uma guerra silenciosa contra o potencial intelectual negro. A “Operação Clean Slate” foi a ponta do iceberg de um saque que começou séculos antes, com o maior roubo de propriedade intelectual da história, o saque do patrimônio do Império do Mali e do seu maior imperador, Mansa Musa.
1: O Saque Original, Mansa Musa e a Biblioteca de Tombuctu que Desapareceu
A história contada sobre Mansa Musa reduz-o a uma caricatura: o rei africano tão rico que destabilizou a economia do Egito ao distribuir ouro durante a sua peregrinação a Meca em 1324. O que é sistematicamente omitido é que a sua verdadeira riqueza não era o ouro, mas o conhecimento.

Mansa Musa não viajou apenas com ouro. Ele viajou com uma comitiva de milhares que incluía os maiores académicos, astrónomos, cartógrafos e arquitetos do Império do Mali. Ele trouxe de volta consigo, e financiou a produção de, milhares de manuscritos para a grande biblioteca de Tombuctu. Estes manuscritos continham conhecimentos avançados em matemática, astronomia (incluindo mapas estelares que os europeus só “descobririam” séculos depois), medicina (incluindo procedimentos cirúrgicos complexos) e arquitetura.
O que aconteceu a esse conhecimento?
Com o declínio do Mali e a ascensão de impérios europeus, as bibliotecas de Tombuctu foram sistematicamente saqueadas. Os manuscritos foram roubados por exploradores e colonizadores, e o seu conteúdo foi lentamente integrado, sem crédito, no corpus do conhecimento “europeu”. O mesmo princípio da “Operação Clean Slate” foi aplicado em escala continental: apagar a fonte e reivindicar a descoberta.
- O Paralelo Moderno: O saque dos artefatos do Museu Nacional do Iraque em Bagdade em 2003, e a destruição e apropriação de registros históricos na Líbia, não são incidentes isolados. São a continuação de uma estratégia antiga: conquistar um povo é roubar a sua história e o seu conhecimento, privando-os da base do seu orgulho e do seu futuro.
2: A Batalha pelas Patentes – A Guerra dos Inventores Negros
Perante a “Operação Clean Slate”, inventores negros travaram batalhas épicas, muitas vezes solitárias, para proteger as suas ideias.

- Granville T. Woods (1856-1910): Conhecido como o “Edison Negro”, Woods inventou o “Sistema de Comboio Elétrico” e o “Telégrafo Induction”, que permitia a comunicação entre comboios em movimento, prevenindo colisões. Thomas Edison processou-o duas vezes, tentando reivindicar a invenção. Woods venceu ambas as ações judiciais, um feito raríssimo, mas o seu nome foi ofuscado pelo de Edison na história popular.

- Mary Beatrice Davidson Kenner (1912-2006): Em 1957, ela inventou o cinto sanitário, uma peça revolucionária para a higiene feminina. Quando a empresa que se interessou descobriu que ela era negra, recusou-se a negociar. “Rimos dela”, disseram. Ela nunca recebeu um centavo pela sua invenção, que foi subsequentemente adaptada e lucrou milhões para outras empresas.

- Charles Frederick Page (c. 1910 – ?): Um inventor praticamente apagado, Page desenvolveu um carro movido a energia elétrica e ar comprimido nos anos 1940. O seu protótipo foi destruído em um “incêndio acidental” e os seus planos desapareceram, sufocados pela indústria petrolífera nascente.
3: Dr. Jay. Ernest Wilkins Jr. e a Energia que Poderia Mudar o Mundo
A história do Dr. Jay. Ernest Wilkins Jr. (1923-2011) é talvez a mais gritante. Uma criança prodígio, entrou na Universidade de Chicago aos 13 anos, doutorou-se em Matemática aos 19 e tornou-se um físico nuclear de renome.

O seu trabalho mais revolucionário foi no campo da energia nuclear e dos reatores. Ele desenvolveu modelos teóricos e equações (as “Funções de Wilkins”) que descreviam a difusão de neutrões, cruciais para o desenvolvimento de reatores nucleares mais seguros e eficientes. No entanto, as implicações do seu trabalho iam mais longe. Especula-se, com base em documentos parcialmente liberados, que as suas pesquisas apontavam para a possibilidade de:
- Reactores de Tório: Uma fonte de energia nuclear mais segura, abundante e com menos resíduos do que o urânio.
- Sistemas de Energia de Fusão a BAIXO CUSTO: Modelos que poderiam ter acelerado drasticamente o desenvolvimento de energia de fusão limpa.
Porque é que isto não aconteceu? Porque a adoção generalizada de tais tecnologias levaria à falência das indústrias de combustíveis fósseis (petróleo, carvão) e do complexo industrial-militar construído em torno do urânio enriquecido e das armas nucleares. Wilkins foi gradualmente afastado do trabalho de ponta e a sua pesquisa foi desviada para projetos menos disruptivos. A “Operação Clean Slate” garantiu que o seu nome e o potencial transformador do seu trabalho nunca se tornassem conhecimento público. O seu génio foi contido para proteger interesses económicos estabelecidos.
4: O Fio da Navalh, A Resistência e a Universidade Invisível Hoje
Perante o apagamento histórico e a supressão económica, a resistência continuou. A Universidade Invisível dos Builders adaptou-se. Se no passado o conhecimento era passado através de cartas e partituras codificadas, hoje ele flui através de fóruns online criptografados, de cursos independentes de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) em comunidades negras, e de investimentos em startups de tecnologia negras.
O plano de estudo moderno deve incluir:
- Alfabetização em Propriedade Intellectual: Ensinar jovens negros a patentear as suas ideias de forma agressiva e a criar empresas para as explorar, em vez de as vender.
- Arqueologia do Conhecimento: Investigar e reivindicar as contribuições reais de inventores negros, criando uma base de dados pública e inegável.
- Desenvolvimento de Tecnologias Disruptivas: Focar a genialidade negra em áreas como energia alternativa, inteligência artificial ética e biotecnologia para a saúde da diáspora, áreas que podem redefinir o poder global e são mais difíceis de suprimir.
A Lousa Nunca Estará Limpa
A “Operação Clean Slate” falhou. Ela não conseguiu apagar completamente o brilho de Latimer, a resiliência de Kenner ou o génio proibido de Wilkins. O saque de Tombuctu não conseguiu apagar a memória de Mansa Musa.
A evidência do brilho intelectual negro é irrefutável.
Está nos circuitos que alimentam as nossas cidades, nos medicamentos que salvam vidas, nas teorias matemáticas que impulsionam a tecnologia moderna e no espírito indomável que continua a inovar perante a adversidade extrema.
A mensagem final é de alerta e de poder. O apagamento foi e é uma política intencional. Mas o conhecimento, como uma semente sob o cimento, sempre encontra uma brecha para brotar. Cabe a nós, herdeiros desta linhagem de construtores, regar essas sementes, expor o cimento rachado e construir um futuro onde a lousa conte a história completa, uma história de génio, resiliência e poder negro incontestável.
A lousa nunca estará limpa. A nossa caneta é eterna.

OBSERVACAO
Este texto levanta um ponto histórico muito importante e, por vezes, negligenciado.
ESTA nossa menção à “Operação Clean Slate” em relação aos inventores negros lutando para proteger as suas ideias sugere uma referência a um período de injustiça e dificuldades no sistema de patentes, especialmente nos Estados Unidos (o país com o sistema de patentes mais pesquisado e debatido neste contexto).
Embora não haja um registo direto de uma iniciativa oficial chamada “Operação Clean Slate” que vise especificamente despojar inventores negros, a frase capta a essência de como os inventores negros foram historicamente tratados:
- Desigualdade Sistémica: Muitos inventores negros, particularmente no século XIX e início do século XX, enfrentaram um racismo sistémico que tornava incrivelmente difícil obter, defender e lucrar com as suas patentes.
- Roubo de Propriedade Intelectual: Houve numerosos casos de ideias e invenções valiosas de inventores negros que foram apropriadas ou roubadas por colegas e empresas brancas, que tinham mais capital e influência legal para registar as patentes em seus próprios nomes ou contestar as dos inventores negros.
- “Lousa Limpa” (Clean Slate) Metafórica: A ideia de uma “lousa limpa” (tradução literal de clean slate) pode ser interpretada como um esforço, quer oficial quer tácito, para apagar ou ignorar as contribuições dos inventores negros, reescrevendo a história da invenção sem lhes dar o devido crédito.
Inventores como Elijah McCoy, Madam C.J. Walker, George Washington Carver e Garrett Morgan tiveram que superar obstáculos imensos, desde a falta de acesso a financiamento e educação até à discriminação flagrante, para que as suas inovações fossem reconhecidas.
O nosso comentário texto destaca a solidão e a natureza épica destas batalhas, que refletem a luta contínua pela equidade no reconhecimento da propriedade intelectual.